Vocação: sedução de Deus
O ser humano torna-se discípulo ao descobrir-se conquistado por Deus. Ao convencer-se de que seu coração está apaixonado por Jesus de Nazaré[1]. Nesse instante ele entende sua razão de ser, o motivo de sua presença no mundo. E, somente assim a presença humana ganha significado na história. A partir de Jesus, o discipulado torna-se possibilidade de existência, uma modalidade essencial de ser, caminho para ser feliz.
Com efeito, o homem enquanto discípulo percebe-se vocacionado, percebe-se chamado por Deus para realizar algo grande, aparentemente superior a qualquer força humana, inatingível pela racionalidade. Deus nos conquista e o faz simplesmente amando. O Pai quer colaboradores, Ele não é uma solidão e sim uma comunhão amorosa.
Nesse sentido, Deus seduz o homem. Sedução que significa precisamente: “atração, encanto, fascínio”[2]. O Pai não seduz para uma ilusão, frustração e entristecimento, mas seduz de maneira que a existência fique carregada de sentido, alegria, entusiasmo e isso dilata o coração que se encanta definitivamente. O profeta ao afirmar “seduziste-me Senhor e eu me deixei seduzir”[3] confessa a irresistível atitude de Deus de chamar pessoas para partilhar de seu amor, compartilhar sua Bondade, armar a tenda sob a ternura Dele.
E Deus nunca errou. Basta pensar no primeiro relato vocacional da Bíblia, olhar as consequências do fato de o Pai ter seduzido Abrão[4]. A consequência é nossa existência, nossa história, a consequência é a existência mesma da santa mãe Igreja. Ele seduz sem iludir, chama resplandecendo confiança e isso se concretiza sempre pelo diálogo. A sedução de Deus nos dá existência, dá-nos a possibilidade de fazer história, não qualquer história, mas história de amor.
O “sim” que é dado a cada chamado de Deus, a cada ato de sedução possui consequências grandes. Esse sim é mesmo que dizer “falai, Senhor; Vosso servo escuta”[5]. E viver as consequências desse ‘falar’ de Deus e ‘escutar’ do homem, essa relação que ele quer estabelecer conosco é o que marca a existência humana. Maria de Nazaré, após dialogar com o anjo do Senhor, disse “eis a serva do Senhor, faça-se conforme tua palavra”[6]. Qual a consequência de Maria ter sido seduzida por Deus?
A resistência do ser humano ao chamado de Deus é compreensível pois ele se dá angustiando, apertando o coração, sugerindo o medo diante de um horizonte de incertezas. Vocação é um constante nascer; e nascer dói. Jesus seduziu homens fracos, de pouca fé, iletrados, rudes; Ele seduziu homens que só tinham a pobreza pra oferecer como resposta; não havia ali, entre os primeiros chamados os aparatos dos títulos, as ilusões honoríficas, os dados à intelectualidade. Havia ali homens pobres, pescadores simples que viviam sempre à expectativa de peixes para o jantar e o almoço do dia seguinte[7].
Ele os transforma, ao longo da história, em homens do mistério, sendo assim, são lembrados até hoje, como modelos de discipulado. Quem diria que Jesus venceria a rudeza de Pedro? A arrogância de Tiago e João? O apego material de Levi? O perseguidor Saulo? Essas pessoas foram vencidas pela sedução de Jesus de Nazaré. E por que não seríamos?
Como resistir ao abraço acalentador de um Pai que sai de sua casa para nos abraçar quando nem mais somos dignos de sua filiação[8]? A sedução de Deus aprimora a vida humana e, nessa lógica, a vocação torna-se um constante refinamento da existência e ganha sempre mais sabor ouvindo a voz daquele que chama.
Vocação é sedução, é uma questão de conquista, um sempre de novo render-se ao Amor. Esse amor faz-nos sentir queridos, sentir-nos filhos, esse fato impele a dizer sempre sim ao Pai e, com os olhos fixos Nele, seduzir mais e mais operários para a messe.
Alessandro Tavares Alves
IV Ano de Teologia
[1] Cf. DAp, n.29.
[2] Dicionário Aurélio.
[3] Jr 20, 7.
[4] Cf. Gn 12, 1-3.
[5] Sm 3, 9.
[6] Lc 1, 38.
[7] Cf. Mc 1, 16-20.
[8] Cf. Lc 15, 20.