A Santa Igreja, na sua irrenunciável vocação de mãe e mestra da verdade, beatificou Oscar Arnulfo Romero, mártir em El Salvador. O Papa Francisco, latino-americano, decidiu reabrir o processo e dar seguimento ao itinerário de beatificação que já vinha correndo, mas a tímidos passos. O que é pensar em Dom Oscar? Que significado possui seu martírio? E sua beatificação?
É preciso contemplar o ser humano com os olhos de Jesus, olhar para ele com olhar sobrenatural para que então seja possível enxergá-lo na sua integralidade. Essa forma de visão Dom Oscar compartilhava com grande afinco. Ele soube contemplar a beleza de cada pessoa, criatura de Deus.
A Igreja, ao beatificar Dom Oscar Romero expressa sua maternal atenção para com aqueles que viram o sofrimento e a dedicação daquele homem em meio à guerrilha, na luta incansável pelos direitos dos seus pobres. Beatificar Dom Oscar é considerar a memória de um povo, mas considerá-la não só por escritos e documentos que se arquivam, mas torná-la ainda mais viva e tornar mais imperioso o pedido do Senhor “vão a façam a mesma coisa”.
Dom Oscar sempre repetiu com coragem “Acreditamos na vitória da ressurreição. Muitas vezes eu digo, profetizando novos tempos, que se me matarem, ressuscitarei no povo salvadorenho”. Com efeito, sua beatificação é sacralizar a memória, sacralizar a dignidade de todo o povo que sofreu e foi perseguido.
Dom Oscar em uma de suas homilias afirmava: nada adiantará ao homem conquistar o mundo se perder sua alma. Não obstante, a espera de uma nova terra não deve enfraquecer, mas sim estimular, a preocupação de aperfeiçoar esta terra, onde cresce o corpo de nova família humana, que pode, de alguma forma, prenunciar o novo século para esta terra. Por isso, deve-se distinguir cuidadosamente entre o progresso temporal e o crescimento do Reino de Cristo; no entanto, o progresso pode contribuir para a melhor organização da organização da sociedade humana, o que é de grande interesse para o Reino de Deus.
Dom Oscar permanece em profunda sintonia com o crescimento do Reino e a promoção da pessoa humana, sintonia que se soma e completa. E não existe em detrimento da outra. Dom Romero entendeu muito bem este aspecto duplo: ele soube unir a dimensão transcendente do Reino com a inerente.
Nesse sentido Dom Oscar soube, como Jesus, estabelecer sinais palpáveis para os pobres e excluídos deste mundo de que o Reino de Deus já estava se fazendo presente prioritariamente para eles, embora ainda não fosse uma realidade plena e definitiva.
Segundo o beato há um critério para saber se Deus está perto de nós ou se está longe: todo aquele que se ocupa com o faminto, o nu, o pobre, o desaparecido, o torturado, o prisioneiro, com toda essa carne que sofre, tem Deus perto. Como me porto com o pobre? Porque ali está Deus.
Gutiérrez diz da memória, Dom Romero ficará nos altares da memória como alguém que significou a vida do povo salvadorenho, será seu intercessor junto de Jesus, levará suas angústias a Cristo e implorará por elas. É preciso, com efeito, fazer memória, o que é isso? Gutiérrez explica: na Bíblia, a memória não se refere à primeira relação, e muito menos exclusiva, com o passado; aponta, na verdade, para um presente que se projeta a frente. O passado está ali, dá densidade ao momento atual do crente; expressemo-lo com os termos, precisos e breves, de Santo Agostinho: “a memória é o presente do passado”. A evocação de um fato anterior se faz na medida em que tem vigência no presente. A memória não nos fixa ao passado, não é uma lembrança nostálgica. A memória, em ambos os testamentos, vai além do conceitual, desemboca sempre em uma conduta, em uma prática destinada a transformar a realidade. Recordar é uma manifestação de amor, estar perto de alguém, hoje. A memória tampouco se identifica com a história, se por esta entendemos um simples relato de feitos pretéritos. A memória vai diretamente ao sentido profundo da história, não aos detalhes dela. Os Evangelhos são, por exemplo, memórias do testemunho de Jesus.
É preciso fazer memória de Dom Oscar Romero, tê-lo sempre presente por aquilo que ele é e fez ser a vida da Igreja de El Salvador. O povo foi consagrado, a história recebeu sua gratificação, os altares receberam quem eles já aguardavam. Pela beatificação de Dom Oscar, saudemos a coragem do Papa Francisco e saudemos os mártires anônimos daquele país que são honrados com o martírio de Oscar Romero. Beato Oscar Romero, rogai por nós!
ALESSANDRO TAVARES ALVES
III ANO DE TEOLOGIA