Misericórdia: outro nome para a vocação
É já sabido o significado da palavra vocação, bem como sua raiz etimológica que quer dizer chamado. Com efeito, pensar a vocação sobre a perspectiva da misericórdia é fundamental, pois, com isso, entender-se-á que misericórdia e vocação querem dizer a mesma coisa, são modos da semântica divina que incidem diretamente sobre o coração humano.
Jesus ao chamar seus discípulos os conduz para uma nova etapa na existência daqueles que foram chamados. O mestre os convida a correr o risco de se aventurarem na fé. O “segue-me”[1] de Jesus é carregado de significado e esse significado incide sobre as angústias dos chamados como uma resposta irresistível que enche de sentido a vida daqueles que a sentem.
Ao convidar, Jesus pede também que o vocacionado eduque seu coração para a misericórdia, ou seja, para colocar seu coração sobre a miséria do outro, transformar a pobreza do outro no altar da misericórdia divina, porque é precisamente assim que Deus age conosco. Ser vocacionado é ser misericordioso, é ansiar pela ternura, aspirar à perfeição.
Ao dizer “se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz, cada dia, e siga-me”[2] Jesus pede uma mudança radical, seria o mesmo que ele dissesse aos discípulos “ avancem para águas mais profundas”[3]. Ele quer que o escutemos de verdade. E do escutar nasce o entusiasmo, a verdadeira felicidade, pois na escuta do Senhor o vocacionado compreende que em Jesus, o Pai se aproxima, cura, olha no rosto, aquece o coração.
Em Jesus o Pai calça os chinelos dos nossos sofrimentos, Ele sofre conosco, em cada angústia nossa, sofre precisamente porque ama e ainda somente Ele tem a resposta a todas as crises, somente Ele é a fonte inesgotável de amor que sempre jorra em nosso favor.
Jesus é o Deus próximo, que toca cada pessoa, com efeito, aí está a solução para qualquer ação da Igreja, ou seja, precisa ser fiel ao mandato do Mestre: “vá e fazes tu o mesmo”[4]. Daí se aprende que o sacerdote é aquele que deve estar próximo de cada pessoa, não na frieza de relações unilaterais, mas sentindo as pessoas, ouvindo, sofrendo junto para crescer como discípulo e servir como pastor. Aproximar-se com cordialidade, afabilidade. Entender que ali existe uma pessoa que sofre. E nessa compreensão o padre torna-se os ouvidos de Jesus, e com suas mãos consagradas abraça, acolhe e cura.
E as pessoas devem ser levadas a descobrir nele o Deus que se aproxima, dessa maneira a Igreja crescerá por atração e não por proselitismos. Todas estas características podem ser resumidas em uma única categoria de sentido que é: misericórdia. Deus acompanha misericordiosamente nossa vocação, olhando inteiramente para as nossas mazelas, Ele nos conhece.
Não há melhor forma de experimentar o chamado do que sendo misericordioso. O Papa Francisco quer sempre de novo nos recordar isso. O padre é sacramento de misericórdia, pois o nome de Deus é misericórdia. O Papa diz que “Deus perdoa não com um decreto, mas com um gesto de carinho. E com a misericórdia Jesus vai além da lei e perdoa, acariciando as feridas dos nossos pecados”[5]. Assim o Pai nos trata, relaciona-Se conosco. Relaciona-Se com aqueles que Ele convida, chama para Si. Por isso vocação e misericórdia ganham a mesma carga de significado, pois brota da intimidade divina, toca e conquista a intimidade humana.
Alessandro Tavares Alves
IV ano de teologia
[1] Mc 2,14.
[2] Lc 9,23.
[3] Lc 5,4.
[4] Lc 10, 37.
[5] Papa Francisco em “O nome de Deus é misericórdia”, p. 19.