Pensar o sacerdócio a partir da exortação é ao mesmo tempo fascinante e preocupante. Fascinante no que toca a sua singular beleza evangélica, preocupante no que se refere à distância que nos descobrimos de tais indicações, que são imperativas na vida presbiteral.
O pontífice não apresenta grandiosas novidades em seu texto, mas, diz de novo coisas que o homem esqueceu, ele retoma pontos que necessariamente precisavam ser retomados, para que a cada dia a Igreja seja sempre de novo ela mesma, com renovado ânimo e ardor missionário.
É salutar pensar no entusiasmo novo que se ergue a partir desse texto, a alegria em anunciar Jesus Cristo, e, sobretudo, dizer que Ele é uma boa notícia, a melhor notícia. E o que poderia ser retirado daí que favorecesse o ministério presbiteral? Que modelo de padre o papa nos propõe? É preciso entender a perspectiva que Francisco nos apresenta. É com esse objetivo que esse texto é elaborado.
Ao iniciar esse trabalho é necessário recordar a alegria que renasce sem cessar de Jesus Cristo, e Nele entusiasmar-se pelo bem, que deve fervilhar no coração sempre, tudo parte daí e cresce inundando o ser de todo vocacionado, resultando em sensibilidade que florescerá na caridade pastoral, no cuidado, tão necessário nos tempos de hoje.
O santo padre não dirige essa carta aos padres e seminaristas somente, mas a todo o povo que deseja ser bom cristão, mas cabe a todo vocacionado entender o que lhe compete enquanto zelador do povo que o Senhor lhe confia e pede que eles o apascentem (cf Jo 21, 17). É preciso “sair”, essa já é a exigência primeira de Jesus e que o papa recorda como conteúdo programático de todo vocacionado, o êxodo que nos lança para além de nós mesmos, superando-nos pela fé, aumentando nosso vigor espiritual, para que tenhamos possibilidade de olhar o mundo, as pessoas, com o olhar de Jesus, que é bom pastor.
É preciso ir sempre mais além, fiando-se de Deus e não se importar para onde Ele nos conduzirá no futuro, apostar, investir nossa vida Nele. Cultivar a docilidade à Palavra de Deus que por vezes nos supera e quebra nossos esquemas, e isso desestabiliza, gera uma aparente insegurança, que é sanada logo que, de novo, se encontra Jesus de Nazaré, a eterna novidade.
A alegria do Evangelho sustenta e orienta, sempre pela fé, pois a razão ajuda, a intelectualidade colabora, mas só a fé capacita para o verdadeiro trabalho do padre, que não se reduz a mera profissão que vive do pragmatismo e da técnica, sem uma visão completa da realidade. Uma visão assim é sempre precária, sempre carente, e que, sem o Evangelho, sustenta-se em ilusões e termina no erro a na frieza de consciência.
O pontífice aponta que é preciso relacionar-se, ouvir, dialogar com as ilusões dos outros, entendê-los, ter paciência histórica, admitindo a possibilidade de errar, sendo que estamos todos sujeitos a elas. Abaixar-se para ouvir melhor, para também responder melhor aos anseios do coração humano, assim, completa o papa “os evangelizadores contraem assim, o cheiro de ovelha e estas escutam a sua voz” (EG.24).
O evangelizador cuida do trigo e não se torna impaciente por causa do joio, tem paciência para agir no momento certo, e colher necessariamente os bons frutos que toda colheita é capaz de dar. Nessa perspectiva “celebra e festeja cada pequena vitória, cada passo em frente à evangelização” (EG.24). O pontífice exorta que seu texto tem conteúdo programático, e consequências pastorais importantes, mas que sejamos ousados para tentar mudar o que temos a fim de uma Igreja mais próxima e que também se aproxima.
Francisco diz assim “sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo. Para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à autopreservação” (EG 27).
O cardeal Cláudio Hummes sempre de novo insiste que todos os padres, seminaristas, bispos se deixem interpelar por este papa que está aí, para que vivamos este momento novo da Igreja que o Senhor nos proporciona. O pontífice chama a atenção para as paróquias ressaltando seu valor, rejeitando a opinião de que elas são estruturas caducas e que não dizem mais nada, mas que, baseado em João Paulo II, ela é a “Igreja que vive no meio das casas de seus filhos e de suas filhas” e isto supõe “que esteja realmente em contato com as famílias e com a vida do povo, e não se torne uma estrutura complicada, separada das pessoas” (EG 28).
Assim a Igreja não deve ser autorreferencial, ensimesmada, mas que seja próxima, que ao invés de muros, construa pontes, que permitam que seus filhos se aproximem, que ande em contramão da corrente do mundo, que vá até aos mais simples, nas periferias existenciais e geográficas, e, vale ressaltar que a Igreja caminha com os pés dos padres, conta com eles, e os enobrece por isso, portanto deve se preparar para isso e se reconhecer nisso, são os padres os construtores dessa ponte, referida pelo papa.
Os padres devem caminhar na Igreja como aqueles que iluminam, a partir do seu ministério e devem “pôr-se a frente para indicar a estrada e sustentar a esperança do povo, outras vezes manter-se-á simplesmente no meio de todos com a sua proximidade simples e misericordiosa e, em certas circunstâncias, deverá caminhar atrás do povo, para ajudar aqueles que se atrasaram e, sobretudo, porque o próprio rebanho possui o olfato para encontrar novas estradas” (EG 32).
Essa é uma realidade exigente e questionadora, que vai além de algumas possibilidades, mas que não taxadas pelo critério evangélico e sim por critérios do sujeito que colocam o Evangelho nas margens de si mesmo. Ele insiste sempre na ousadia pastoral, que vença o comodismo que supere o “sempre foi assim”, e haja com coragem.
O padre deve sempre partir do coração do Evangelho, nessa perspectiva tudo muda, tudo encontra o horizonte definitivo que explica tudo e sustenta tudo. E deve comunicar a fé que recebeu, quando ele não prepara para comunicar o que recebeu torna-se uma voz no deserto, e não diz nada a ninguém, não obstante, o anúncio “concentra-se no essencial, no que é mais belo, mais importante, mais atraente e, ao mesmo tempo, mais necessário.” (EG 35), lembrando que a misericórdia é a maior de todas as virtudes, e cabe ao padre “remediar as misérias alheias” (EG 36).
A vocação deve ser permeada pelo “perfume do Evangelho” (EG 39), nutrir-se de sua seiva para que ela brote e exale. No itinerário vocacional perenemente é necessário renovar o fascínio por Jesus e correr com perseverança, com os olhos fixos Nele (cf. Hb 12, 1-2). E crescer Nele é a opção fundamental de todo vocacionado.
O papa chama a atenção para rever a caminhada da Igreja, sua atuação no mundo, ele mesmo afirma que “no seu constante discernimento, a Igreja pode chegar também a reconhecer costumes próprios não diretamente ligados ao núcleo do Evangelho, alguns muito radicados no curso da história, que hoje já não são interpretados da mesma maneira e cuja mensagem habitualmente não é percebida de modo adequado. Podem até ser belos, mas agora não prestam o mesmo serviço à transmissão do Evangelho. Não tenhamos medo de revê-los!” (EG 43).
Essas palavras incidem fortemente na transmissão da fé, na pedagogia com a qual a Igreja quer responder ao homem que constantemente interroga e quer respostas para suas angústias, para isso é necessário o convívio para que a escuta seja possível. É cada vez mais necessário calçar as sandálias das pessoas, caminhar com elas e falar-lhes ao pé do ouvido, as alegrias contidas no Evangelho.
A nova evangelização destaca o sacramento da penitência, como a porta de entrada, aquele que resgata a humanidade e a dignidade de cada ser humano, e Francisco recorda: “aos sacerdotes, lembro que o confessionário não deve ser uma câmara de tortura, mas o lugar da misericórdia do Senhor que nos incentiva a praticar o bem possível.” (EG 44).
A exortação é clara, trata da Igreja não como algo metafísico alheio e alienado de tudo o que é humano, mas de uma realidade que é de origem divina, mas também constituída de fragilidade humanas, e que caminha com isso, ela é a continuadora da comensalidade de Jesus com os pecadores (cf. Mc 2, 16). Para isso é preciso de uma Igreja em saída, que vai até ao mundo das pessoas, entra nele e se instala ali, que caminha na noite com elas, como a semente do Evangelho no coração do homem.
A saída sugere movimento, dinâmica que impele ao encontro, que dá ao homem um rumo decisivo, mas que precisa também diminuir o ritmo, deixar de lado a ansiedade para olhar nos olhos e renunciar a algumas urgências para amparar o que ficou caído à beira do caminho (cf. EG 47). Essa mesma Igreja que sai deve ser sempre uma casa de portas abertas que acolhe a todos, para que “se alguém quiser seguir uma moção do Espírito e se aproximar à procura de Deus, não esbarrará com a frieza de uma porta fechada”, ele chama a atenção para a função da Eucaristia, sua razão mais íntima: “A Eucaristia, embora constitua a plenitude da vida sacramental, não é um prêmio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos” (EG 47).
O ministério presbiteral deve estar sempre em sintonia com essa postura, para que o padre não exista como um controlador da graça e sim como facilitador, dando a entender que a Igreja é uma alfândega, retirando dela seu qualificativo de casa paterna, onde há lugar para todos com sua vida cansada (cf. EG 48). É o sinônimo da tão falada e lembrada caridade pastoral.
O papa Francisco recorda na sua exortação o que sempre dizia ao clero de Buenos Aires “prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às suas próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa em um emaranhado de obsessões e procedimentos. […] mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: “dai-lhes vós mesmos de comer” (Mc 6, 37)” (EG 49).
Essas palavras são intensas aos padres e a todos os vocacionados, elas encorajam, reanimam e fortalecem a ousadia evangélica que é necessária a todo aquele que se entrega ao Evangelho, e que faz dele sua razão de ser. Profundamente evangélicas, elas orientam a um avanço, e necessita de um empenho vocacional, de decisão à luz do Evangelho.
É provocativo, é “a antiga e sempre nova” proposta de Jesus Cristo, que impele toda vocação e que é o jeito de ser de cada uma. É o que a sustenta, e é sua marca indelével e irrenunciável. Todas as indicações do pontífice em sua exortação requer sempre uma só coisa que é a segurança no Evangelho, a confiança em Jesus Cristo.
As propostas para a Igreja são proposições aos pastores, àqueles que se destinam a constantemente a cuidar de alguém. O diálogo só acontecerá, se os pastores dialogarem, só acontecerá o movimento se os pastores se movimentarem. Existe aí uma relação irrenunciável que suplanta todo e qualquer ministério, para a eficácia da ação do evangelho.
O santo padre chama a atenção para o fato de existirem pastores que sabem fazer diagnóstico da realidade, e isso é louvável, mas não apenas devem parar nisso, mas serem capazes de agir para mudar aquilo que foi concebido necessitado de mudança há os que se detém na crítica e não vão mais além, é uma visão importante, mas não completa.
É preciso uma real conversão, e toda vocação passa por esse Itinerário de conversão, tendo sempre Jesus Cristo como referência. Ele é o critério decisivo para tudo, e Nele toda vocação ganha sentido e torna, de fato, enobrecedora a existência humana.E, cada homem ao ser ornado com o sacerdócio deve sempre de novo, expressar por si mesmo as alegrias do evangelho!
Seminarista Alessandro Tavares Alves